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GRATUIDADE NA JUSTIÇA DOTRABALHO

O art. 1º, inciso XXXV, da Constituição Federal, dispõe que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. É o princípio do acesso à justiça, assegurado no texto constitucional.

 

O acesso à justiça não fica reduzido ao ingresso no Judiciário e suas instituições, mas a uma ordem de valores e direitos fundamentais para o ser humano, não restritos ao sistema jurídico processual. Em suma, a uma ordem jurídica justa e eficaz, para o livre exercício da cidadania plena.

O acesso à justiça está intimamente ligado à justiça social. Pode-se até afirmar que é a ponte entre o processo e a justiça social. Porém, existem inúmeros obstáculos para o cidadão transpor a fim de obter efetivo acesso à justiça.

Esses óbices apresentam-se de forma ainda mais intensa quando se trata das classes menos favorecidas. São entraves econômicos, socioculturais, psicológicos, jurídicos, judiciários etc. Obstáculos econômicos: custas, honorários periciais e advocatícios, duração razoável do processo, inclusive o sistema recursal e o sistema de execução de sentença.

Obstáculos socioculturais: dificuldade de compreender as normas de direito material e processual e o baixo nível educacional, social e cultural.

Obstáculos psicológicos: o complexo aparato judicial (juízes, advogados, procuradores etc.) transparece distante do cidadão, daí os óbices ao pleno acesso à justiça.

Obstáculos jurídicos e judiciários: limitações quanto à implementação dos direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos, direitos supra-individuais, e a exigência de advogados.

Na Justiça do Trabalho, a falta de uma Defensoria Pública específica. O papel social da Justiça do Trabalho, cuja jurisdição se espraia pelos mais longínquos municípios deste imenso país, é transcendental. Vai para muito além de meros dados estatísticos ou de utópicas fórmulas que pretendem sepultar o ideal de uma justiça gratuita, informal e célere, praticada por uma magistratura sensível aos dramas dos mais humildes, quase sempre excluídos do acesso às mínimas condições de vida digna.

Oprincípio da gratuidade da Justiça. O processo trabalhista caracteriza-se pela gratuidade. A cobrança de custas constitui, por vezes, restrição ao trabalhador para postular seus 1 Vicente José Malheiros da Fonseca é Desembargador do Trabalho de carreira (Aposentado), ex-Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (Belém-PA). Professor Emérito da Universidade da Amazônia (UNAMA). Compositor. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho (Cadeira nº 87) e de diversas entidades acadêmicas.

1 direitos perante a Justiça Especializada, além do que se configura em mais um elemento burocrático, dentre tantos existentes, para prolongar a demanda. A Lei nº 5.584, de 26.06.1970, já dispunha sobre a assistência judiciária na Justiça do Trabalho. E a Lei nº 7.115, de 29.08.1983, estabelece que “a declaração destinada a fazer prova de vida, residência, pobreza, dependência econômica, homonímia ou bons antecedentes, quando firmada pelo próprio interessado ou por procurador bastante, e sob as penas da lei, presume-se verdadeira”.

Praticamente no mesmo sentido, o Código de Processo Civil de 2015, em seu art. 99, §§ 3º e 4º, estatui a seguinte norma, compatível com o processo trabalhista: § 3o Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural. § 4o A assistência do requerente por advogado particular não impede a concessão de gratuidade da justiça.

O dispositivo da Consolidação da Leis do Trabalho que cuida do benefício da justiça gratuita, na Justiça do Trabalho (art. 790 da CLT), agora com o acréscimo de mais um parágrafo (4º), pela chamada “Reforma Trabalhista” (Lei nº 13.467/2017), retrocede a um período em que se exigiam do cidadão diversos atestados, como de vida e residência, de pobreza etc.

Tais exigências foram abolidas desde o Governo Figueiredo, na época do Ministro Hélio Beltrão, titular do Ministério da Desburocratização, por força do Decreto nº 83.936, de 06 e setembro de 1979, que simplificou a exigência de documentos, como se vê de seus arts. 1º e 2º. Na forma do art. 1º da Lei 1.060, de 05.02.1950, com a redação dada pela Lei nº 7.510, de 04.07.1986, os poderes públicos concederão assistência judiciária aos necessitados.

O acesso à justiça e o direito de ampla defesa constituem garantias constitucionais asseguradas a todos os cidadãos, especialmente aos necessitados, aos quais o Estado deve prestar assistência jurídica integral e gratuita (art. 5º, XXXV, LV e LXXIV, da Constituição Federal de 1988). O benefício da justiça gratuita pode ser deferido a qualquer momento e em qualquer grau de jurisdição, inclusive de ofício, justamente porque constitui garantia constitucional. Exigir que o trabalhador faça demonstração, em memorial, de suas despesas comparativamente aos salários, mediante a especificação de cada gasto, com a devida comprovação, além de comprometer os princípios da simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, parece afrontar o princípio da presunção legal de veracidade de declaração do cidadão, ou seu patrono, de insuficiência de recursos, que se harmonizam com o princípio da gratuidade, que também caracteriza o processo do trabalho, e o direito de acesso à justiça, assegurado em norma constitucional.

2 Observe-se que art. 844, § 3º, da CLT, igualmente introduzido pela mesma Lei nº 13.467/2017, dispõe, a meu ver, também em franca violação ao princípio constitucional da gratuidade e do acesso à justiça: "O pagamento das custas a que se refere o § 2o é condição para a propositura de nova demanda". O § 2º, do art. 844/CLT, ao dispor que a ausência da parte reclamante, na audiência inaugural, importará em sua condenação ao pagamento das custas processuais, ainda que beneficiária da justiça gratuita, salvo comprovação de que a ausência se deu por motivo legalmente justificável, representa verdadeira restrição do acesso do trabalhador ao Poder Judiciário Trabalhista, considerando a sua condição de hipossuficiente e as diversidades regionais que, por vezes, resultam em motivos plausíveis para o não comparecimento, porém aparentemente descobertos do sentido do que se consideraria “legalmente justificáveis”.

O trabalhador reclamante possivelmente deixará de ajuizar a demanda trabalhista, por receio de se ver condenado ao pagamento de custas processuais, caso não apresente motivo “legalmente justificável” para eventual ausência na audiência inaugural. Importa questionar, ainda, se a apresentação do motivo “legalmente justificável” resultará não apenas na isenção do pagamento das custas processuais, mas no próprio desarquivamento da reclamação trabalhista. O § 3º, do art. 844/CLT, do mesmo modo, representa clara ofensa ao princípio do acesso à justiça, ao dispor que o pagamento das custas, previstas no § 2º, será condição para a proposição para nova demanda, ou seja, o trabalhador, via de regra hipossuficiente, não poderá ter acesso ao Judiciário Trabalhista enquanto não efetuar o pagamento das custas processuais a que foi anteriormente condenado.

O dispositivo legal não explicita, ainda, por quanto tempo durará tal restrição ou se incide apenas sobre as matérias discutidas na reclamatória anterior. A conclusão que se extrai, da análise dos dispositivos legais indicados, aponta para a violação não apenas dos princípios constitucionais do acesso à justiça e da justiça gratuita, mas sim ao próprio princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III/CF), pois evidenciado que o objetivo da previsão legal é a redução das demandas trabalhistas pela dificultação de seu acesso, com a imposição de autênticas penalidades de ordem pecuniária, que acabam por constranger o trabalhador hipossuficiente, que deixa de buscar seus direitos, pelo receio de ser condenado ao pagamento de custas processuais.

Portanto, é também inconstitucional o § 2º do art. 844 da CLT, com aredação dada pela Lei nº 13.467/2017, em face da manifesta violação às garantias fundamentais de assistência jurídica integral e gratuita e do acesso à justiça (art. 5º, LXXIV e XXXV, da Constituição Federal), bem como aos princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal) e da igualdade (art. 5º, caput, da Constituição Federal).

Reporto-me, finalmente, ao artigo "ACESSO À JUSTIÇA DO TRABALHO NO CONTEXTO PÓS-REFORMA", de minha lavra, publicado na 3 Revista nº 106 do TRT-8 (janeiro/junho-2021), páginas nº 19-36, disponível no Portal desse Tribunal: https://www.trt8.jus.br/revista/106 .

 

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